quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Como os presidentes da redemocratização alteraram o curso da história (de Ricardo Casarin)

Democracia. Não é exatamente uma tradição nacional, mas nós já temos uma história razoável de eleições diretas, mandatos decepcionantes e bueiros entupidos por santinhos. Em nasci em 1987, o que significa que vivi sob o mandato de cinco presidentes diferentes. Agora iremos analisar como as decisões tomadas nestes governos afetaram, não o bem-estar da nação, mas os meus próprios interesses, não importando quão mesquinhos eles fossem.

Lula me obriga a deixar a marginalidade (ou quase isso)

Não sou exatamente um marginal. Eu sou mais um preguiçoso, e minha preguiça vai além de não gostar de acordar cedo e lavar a louça, ela inclui o desdém por possuir bens, contas bancárias, trabalho registrado e documentos.

Apenas um rapaz informal

Então tinha 20 anos, carteira de trabalho em branco, toda a grana que eu possuía estava no bolso de trás da calça e não me importava muito com nada disso. Eis que o presidente Luis Inácio da Silva assina a polêmica Lei do Estágio, garantindo a redução salarial de muitos jovens trabalhadores honestos, mas também forçando sujeitos como eu a ter um pouco de dignidade.

Quando eu consegui um emprego, tive que abrir uma conta bancária, assinar papéis que provavelmente significavam algo importante, emitir documentos, cartões, vales, e uma vez por mês eu me retorço e faço caretas ao ler meu extrato, exatamente como as pessoas adultas e responsáveis fazem.

Saldo final

É legal não correr o risco de ser enterrado como indigente ou de tomar um esporro da policia ao levar um enquadro e mostrar uma carteirinha do fã clube do Sonic na falta de um documento melhor, mas eu sinto um pouco de saudades daqueles tempos mais simples.

FHC me faz comprar o pior computador da merda do mundo

É 1999. Eu tenho 11 anos e não quero nada desse mundo a não ser um computador. Eu não tenho mais paciência para brincar de Playmobil, talvez de Lego, mas com certeza meu Mega Drive já está meio ultrapassado.

Minha mãe finalmente atende meus pedidos irritantes e fecha um orçamento de um PC firmeza, quando a catástrofe acontece. O dólar dispara, tudo fica caro e o mano da loja de informática não quer mais vender nada.

Na época eu acreditava que era apenas Deus me castigando por ter comido uma hóstia sem me confessar (Poxa, eu só queria me enturmar na paróquia), mas depois eu descobri que em uma manobra eleitoreira, o presidente Fernando Henrique Cardoso manteve o valor do dólar baixo até não poder mais, o câmbio explodir e a merda toda fuder tudo (essa analise é tão profunda quanto foi a dele na época)

O resultado disso é que acabei comprando um computador em um supermercado, e Jesus, isso foi um erro. O PC se revelou o pior pedaço de lixo já produzido pelo reino dos minerais. Era lento, instável e dava pau a cada cinco minutos. Baixar uma música demorava dias. Eu nunca consegui desligar o computador direito. Ele simplesmente travava a hora que ele queria, não importava o que eu estivesse fazendo.

Sinto muito, mas não posso permitir que você jogue FIFA.

Após QUATRO ANOS como aquele pedaço de metal imprestável, a situação chegou a um ponto trágico. Depois de nove tentativas de instalar o Kazaa, todas abortadas pela máquina maldita, eu tive um reação quase razoável: atirei o computador na parede. Quando fui religá-lo, aconteceu um curto circuito e a porra pegou fogo. Mil espíritos atormentados emergiram das chamas e garras infernais arrastaram a carcaça de silício para uma eternidade de horrores. A minha mãe também me deu uma puta bronca.

Saldo Final

Puta merda. Além do prejuízo, eu desenvolvi uma raiva crônica contra eletrodomésticos. Basta uma torradeira atrasar meu lanche, e eu começo a bater com a cabeça nela. O lado bom é que eu desenvolvi um senso critico para comprar as coisas, mas sinto que meia década de tortura tecnológica não era necessária para isso.

Itamar introduz um sistema monetário inteligível para uma criança de 6 anos

Ok, eu sei. O autor do Plano Real é o FHC, mas ele foi introduzido no governo Itamar Franco, então foda-se. O lance é que eu tinha cinco, seis anos e não tinha a menor idéia do que as etiquetas do supermercado queriam dizer. Eu não entendia o que as notas que minha avó me dava significavam. O que eram todos aqueles zeros? Puta merda, 35 000 cruzeiros, o que é isso? E eu nem era burro. As crianças do parquinho faziam rodinhas pra me assistir a contar até cem, por que eu era o único da turma que conseguia.

Desde 1992, um exibicionista

Então um dia a professora da 1° Série aparece com uma nota verde com um ‘1’ estampado e explica como lance funciona. É tão simples! Números que eu conheço! A maior nota é 100! Agora eu sabia exatamente quantos Kinder Ovos eu podia comprar com o dinheiro do lanche.

Saldo Final

Muito bom. Eu e uma geração de fedelhos nos tornamos consumistas ativos aos sete anos e poderíamos contestar nossos pais na hora em que alguma compra desejada fosse negada. Espera... er, isso parece meio perverso... pensando bem.

Collor arruína o natal, mas garante a diversão de ano-novo

Ah, Fernando Collor. O mais jovem presidente da história. Primeiro a ser eleito por voto direto após a ditadura, o que já seria um belo argumento contra a democracia no Brasil, sem precisar levar em conta que o último tinha sido Jânio Quadros, um homem que acreditava que a caspa era um bom cabo eleitoral.

Forças ocultas operavam a sua mente, isso sim.

Graças ao fracasso completo do Plano Collor, o país entrou em recessão. Meu pai foi demitido das Tintas Ypiranga e isso foi uma merda total. Todo natal eles davam brinquedos pra mim e pra minha irmã. Eu ganhe um triciclo sensacional no último ano. Com meu pai desempregado e a poupança seqüestrada, o Natal não foi exatamente um festival de presentes.

Mas houve uma compensação. Às vésperas do ano-novo, rolou a votação do impeachment no Congresso. Foi um dos dias mais divertidos da minha infância. À tarde eu fui a uma manifestação “Fora Collor” no centro de São Bernardo. Eu ganhei bexigas, bandeirinhas, fui incentivado a berrar xingamentos e ainda vi um carro alegórico com um bonecão do Collor na lata do lixo. Foi um carnaval.

À noite, a votação foi transmitida pela televisão, e eu só veria algo parecido alguns anos depois, na final da Copa do Mundo. Eu não sabia direito o que estava acontecendo, só que era bom quando alguém gritava ‘SIM’ no microfone e muito ruim quando alguém dizia ‘NÃO’. No final, os bons venceram, teve fogos de artifício e um monte de gente feliz. Boas lembranças.

Saldo Final

Foi bom. Uma bela lembrança infantil. E eu não tenho a menor idéia de como foi o natal naquele ano, então não houve traumas. Meu pai arrumou um emprego e tudo terminou OK.

Sarney é basicamente o responsável pela minha existência

1986. O caos reina. A inflação bate recordes. A vida é difícil. Minha mãe quer ter mais um filho. Meu pai diz: “Você tá louca”. A história poderia ter acabado aí, mas do Planalto surge algo – O PLANO CRUZADO. Dinheiro começa a ser imprenso adoidado, todo mundo no Brasil fica rico! Meu pai não tem mais argumentos. O milagre da vida acontece. OI MUNDO.

Seria uma bela história de como um governo bem gerido afeta positivamente a vida dos cidadãos comuns, mas é isso aqui é BRASIL. O Plano Cruzado do presidente Sarney foi uma furada. A produção não acompanhou o aumento no poder aquisitivo da população. Os produtos ser tornaram escassos. A inflação voltou. Mas aí, eu não podia voltar junto.

Saldo Final

Essa é uma questão existencial, certo? Nietzsche dizia que a pior coisa que pode acontecer a um homem é nascer. Minha vó dizia que viver é uma benção. Sei lá, eu poderia ficar com as duas opções. Sem dúvida, dever a própria vida a José Sarney é uma situação um tanto quanto dúbia.

O legado econômico brasileiro dos anos 80

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